22.7.22

parte 12. escamas ou arcos do Monumental?

Para mim, sem dúvida nenhuma, é uma das mais bonitas camisetas que o Grêmio já lançou. Por sinal, é uma das mais raras camisetas. Pelo menos, é o sentimento que tenho em relação a ela. Pois demorei e muito para encontrá-la. E só a encontrei depois que entrei novamente no mundinho das redes sociais atuais do momento. 

Já é sabido para quem acompanha todos estes relatos. Sou dos anos 80, mas fui forjado nos anos 90. Foi nesta década que comecei a acompanhar o Grêmio. Quando me tornei neste fanático ensandecido. 

Em 1995 ironia ou não, coisa do destino sei lá, o Grêmio disputava, precisamente 1 ano e 1 dia depois daquele gol do Nildo, uma vaga na final da Copa Libertadores da América contra o Emelec. Não há como eu me esquecer daquele dia porque o jogo foi de tarde. Às 14 horas. Tempo louco aquele. Jogo de tarde? E não me esqueço daquela tarde porque desta vez o pai e a mãe estavam comigo. Era a primeira semifinal de uma LA que eu assistia. Aliás, naquele ano tudo foi a primeira vez. O Grêmio não venceu naquela tarde do dia 11 de agosto, mas deu um passo muito importante naquela campanha que ficaria para sempre na história do clube. Bem como na minha história de torcedor. 

Naquela partida o Grêmio utilizou um terceiro uniforme. Diferente de todos que eu já tinha visto. A camiseta é até hoje é chamada por muitos de "escama de peixe". Muito embora, para mim, o seu desing me lembre muito os arcos do Velho Casarão. Foi paixão à primeira vista por aquele manto. De modo igual ao causo recém contado, levei muitos anos para tê-la em mãos. Faz poucos meses, inclusive, que a consegui. Porém, não é exatamente a mesma. No jogo contra o Emelec, o Grêmio já era patrocinado pela Renner. Mesmo assim, a camiseta muda muito pouco. Quando a obtive, fiz até uma espécie de juramento para a patroa. "Essa é a última, eu prometo". Cruzei os dedos naquela hora. Promessas assim, são impossíveis de cumprir. 


21.7.22

parte dez - eu sou o Tricolor de Porto Alegre

Agosto de 94. Naquela altura do ano o tetra era uma realidade, e o Grêmio disputaria mais uma final de Copa do Brasil. Tentarei, desta vez, ser o mais sucinto possível. Parte dez, já que a onze saiu primeiro...

Rede Machete. Que canal! Já não bastasse os seriados japoneses que a emissora transmitia, transmitiu também a finalíssima. Era a primeira final da minha vida de torcedor. E dizer que poucos meses antes, nem TV à cores tínhamos. 

Lembro de poucos flashes daquela partida. Mas o que não descola da minha retina é a visão que eu tinha do pai. Ao meu lado, ele assistia a partida. Meu pai, neste caso, trata-se na verdade do meu avô Nestor. Do meu lado direito, ele olhava ansioso para a televisão. 

Quando de repente, num lance de escanteio, Nildo Bigode subiu mais alto e mandou a bola para o fundo das redes. Era o gol do campeonato. O primeiro título que eu vi o Grêmio ganhar. Uma alegria sem igual. Porém, eu não tinha uma camiseta sequer para vestir em 1994. Que lástima. A primeiríssima, aquela que o símbolo havia sido costurado já não existia mais. E aquela camiseta tricolor de 94 se tornava ali, um sonho de consumo infantil. 

Sonho esse, só realizado muitos anos depois. Março de 2020. Quem diria. Direto do estado de Minas Gerais. Um anúncio muito oportuno e bastante em conta. Um fato raro de se ver. Não hesitei. Curiosamente, naquele dia o Grêmio jogaria contra o América de Cali pela Libertadores. Que sina.

Alguns dias de espera, de conversas pelo whats app com o vendedor e pronto. Pelo correio recebi numa caixinha uma das minhas maiores relíquias: a tricolor de 1994, com patrocínio da Coca-Cola. Feito aquela que Nildo vestia na tarde de 10 de agosto. Uma tarde que marcou para sempre a minha infância, não só pelo título, pelo gol... mas pela companhia que eu tinha ao meu lado. Esta história eu dedico ao homem que moldou o meu caráter. Obrigado, Seu Nestor! 

 

6.7.22

parte onze - mereça o manto

Não foi a primeira vez que vi um torcedor de poucos recursos vestindo um manto antigo e oficial do Grêmio. Foi num sábado que consegui uma troca que até hoje me recordo. A data em si, não sei dizer. Mas tive que recorrer a velhos retratos para ter uma ideia do tanto de tempo que eu o fiz. No mínimo, 12 anos.

A pé, a caminho do trabalho, eu vi de longe um guri. Talvez pouco mais novo do que eu, quiçá da mesma idade. Por ser cedo da manhã, a temperatura não era das mais amenas para o guri estar vestido apenas de uma surrada e bastante encardida camiseta do Grêmio, uma bermuda e um chinelo de dedo bastante precário. Quanto a camiseta, era rara por sinal. Só que ele estava muito distante, e logo sumiu de vista, se perdendo na "imensidão" do centro de Santo Ângelo. 

Logo quando cheguei no serviço, compartilhei com os colegas sobre o que tinha visto. E disse, sem hesitar, que se eu visse novamente o guri aquele, lhe faria uma proposta pela velha camiseta, pouco me importando com o estado dela em si. Porém, o piá não reapareceu de imediato, e logo pensei que nunca mais o veria. E tratei de esquecer do assunto. 

Na época, eu era balconista numa loja de material elétrico e hidráulico. Já devo ter dito isso em algum momento, enfim. O movimento era incessante. Um entra e sai de gente. E na grande maioria das vezes, o sábado era o dia dos problemas. E quanto mais se aproximava do meio-dia, mais coisa aparecia. Parecia deboche. Pois, durante a semana sobrava tanto tempo que até seriado assistíamos no final das tardes... 

Lá pela uma altura da manhã, faltando meia hora para o meio-dia, quem resolveu aparecer na rua, justamente, quando a loja estava cheia de gente? O piá da camiseta! Bá. Se dizer o que fiz, vai parecer mentira. Então melhor passar esta parte. 

Não por menos, quando me viram eu já estava conversando com o guri. Feito um maníaco, eu o parei. Imediatamente eu o indaguei sobre camiseta, que de perto, por Deus... estava péssima. Mas eu entendi perfeitamente os motivos daquela precariedade, e em nenhum momento julguei o rapaz. Lhe perguntei também se ele sabia, pelo menos, o ano daquela camiseta. Ele me disse: não sei, cara. Só sei que é velha. Ganhei numa dessas campanhas de agasalho... 

Eu precisei pensar rápido. O cara naquela altura deveria estar desconfiando de alguma coisa, pois disse a ele que já tinha lhe visto mais cedo. Disse a ele o ano da camiseta, contei-lhe que eu a muito tempo a procurava e já emendei uma proposta audaciosa. Quis mexer com o brio do rapaz. Mas antes é claro, quis saber se ele realmente tinha noção do que vestia. Disse ele que não ligava muito, que era apenas mais um gremista no mundo. Humildade. Notoriamente, eu percebi que ele não tinha condições de ter uma camiseta nova. E foi essa a proposta que eu lhe fiz. Naquele ano, por ironia, o Grêmio e a Puma haviam lançado uma réplica quase que perfeita da camiseta de 1995. Contei ao guri sobre isso. Ofereci a ele. Detalhe: o levei até a extinta Mundo dos Campeões. Ficava ali, no calçadão. Vendiam material esportivo da dupla. Mas disse a ele que se quisesse qualquer outra camiseta do Grêmio, poderia escolher. Ainda bem que o cartão de crédito tinha limite... mesmo assim, o rapaz foi tão humilde que não quis outra se não aquela réplica de 95, que por sinal era mais em conta que as demais. E ali mesmo, dentro da loja, ele experimentou a camiseta nova e não mais a tirou. E me entregou a sua velha, surrada camiseta "branca" do Grêmio do ano de 1994. Confesso que não sei dizer quem ficou mais feliz. Talvez ele, pois a camiseta nova pelo menos estava cheirosa...

Gentilmente, o vendedor da loja e talvez um tanto perplexo, me cedeu uma sacolinha para que eu pudesse por a camiseta velha dentro. Quando retornei pro meu serviço, já quase de meio-dia, os colegas ainda me zoaram a respeito do escambo. Ainda me disseram: duvido, tirar o fedor desta camiseta e a sua sujeira... e eu dei risada.

Penso, às vezes, que sou retardado. Ninguém entende esses briques que faço, ou que já fiz. Mas outras vezes penso que devemos merecer o manto sagrado. Seja ele qual for. Novo, velho... original ou não. Acredito até hoje que aquele guri merecia e muito uma camiseta nova. Eu poderia ter dado a ele dinheiro, por exemplo. Mas ele não quis. Ademais, ele pouco se importava se a camiseta que usava era velha, feia ou encardida e um tanto mal cheirosa. Usava porque era gremista. E como dizia o Sant'Ana: "ser gremista é o sonho delirante de não conseguir na vida ser uma outra coisa”. Para aquele guri, ser gremista já lhe bastava. Depois daquilo, nunca mais o vi. 

Quanto a mim, eu acreditei que poderia recuperar aquela camiseta. O retrato está aí, em dois tempos. E além desta história, esta camiseta já tem muitas outras. Foi o meu talismã na campanha em 2016. Confesso, inclusive, que a usei em todos os jogos e só a lavei depois da festa do penta campeonato. Superstições, cada um tem a sua... E veja só a camiseta que o amigo Gláucio usava naquela noite... a réplica de 95. Acredito que naquela mesma noite aquele guri estivesse por ali, festejando feliz da vida, do mesmo modo que nós.